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26/06/2020 00:00

A pandemia e o fim do dinheiro no transporte público, por João Picanço

Será que nossos netos conhecerão as cédulas e moedas em dinheiro?


Nos debates sobre as transformações causadas na sociedade pela atual pandemia, muitos analistas têm afirmado que mais do que acelerar inovações tecnológicas disruptivas em si, o contexto de pós-pandemia irá catalisar tendências que já estavam em curso. Considerando a tendência mundial de digitalização, especialmente, no segmento de meios de pagamentos e do mercado financeiro, essa semana, me deparei com um e-mail que trazia a seguinte questão: será que nossos netos conhecerão as cédulas e moedas em dinheiro?

Aterrissando tal interrogação para o setor de mobilidade urbana, tema tão caro para o desenvolvimento das cidades e para melhoria direta da qualidade vida dos brasileiros, e avaliando a imperiosa necessidade de redução do contato físico para evitar a transmissão do novo corona vírus, essa pode ser uma oportunidade que a crise está oferecendo para realizar um objetivo antigo daqueles que buscam a melhoria dos transportes públicos: a abolição do uso do dinheiro em espécie. Afinal de contas aquele troco, muitas vezes com cédulas sujas e desgastadas, que passam nas mãos de tantas pessoas passou a ser evitado pelos usuários nas transações comerciais em meio à pandemia.  

Atualmente, do ponto de vista da viabilidade tecnológica, o pagamento nos coletivos poderia ser feito exclusivamente por meios eletrônicos, como o cartão, celular ou pulseira que utilizam tecnologias de pagamento por aproximação como a NFC (Near Field Communication) ou a MST (Magnetic Secure Transmission). Além dos benefícios para enfrentar a propagação da crise sanitária do covid, do ponto de vista da mobilidade urbana existem ganhos como redução de assaltos nos coletivos, mais agilidade no embarque e aumento da transparência ao fluxo de receitas das empresas – de forma que o órgão público responsável possa exercer melhor sua função de regulação e promover um melhor serviço de mobilidade para toda a população. 

Com isso o sistema de transporte público torna-se mais confiável, permite um melhor monitoramento e racionalização de linhas de ônibus e amplia a utilização de benefícios de integração entre mais de um transporte com uma tarifa mais econômica. Cabe observar que essas integrações são subsidiadas com milhões de reais por ano, tendo em vista suas externalidades positivas relevantes para a sociedade e o meio ambiente.

Entretanto, problemas como fraudes, corrupção, caixa dois e suas derivadas fruto de relações não republicanas entre agentes públicos e privados do setor de transportes são, infelizmente, recorrentes em muitas cidades e estados brasileiros. O Ministério Público tem realizado um trabalho importante para coibir esses crimes, mas justamente a falta de transparência e de controle do fluxo de receitas das empresas, dificulta a fiscalização e verificação da correta aplicação dos recursos públicos. 

Essas mudanças nos meios de pagamento dos transportes públicos já estão na pauta de debate de cidades como Manaus, Curitiba, Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. A tecnologia de bilhetagem eletrônica é bastante difundida nas grandes cidades e novos aplicativos, fintechs e meios de pagamentos têm surgido a cada dia. Novas funcionalidades têm sido criadas para tornar ainda mais prático e flexível os pagamentos nos transportes públicos, trazendo mais comodidade ao usuário. Esse mês, o Whatsapp anunciou que será possível realizar pagamentos e transferências através do app de troca de mensagens. Quem sabe poderemos pagar o transporte público também por esse aplicativo? 

A cidade de Campinas (SP), por exemplo, desde o início de 2019 parou de aceitar dinheiro no pagamento das passagens e implantou um sistema que permite a emissão e leitura de códigos de barra de bilhetes impressos. Houve um pouco de resistência de parte da população para mudar seu hábito de pagamento, o que podemos considerar natural para um período de adaptação. Acontece que agora com a pandemia, existe uma oportunidade para as cidades acelerarem essa tendência de não aceitarem mais dinheiro em espécie, dado que a população quer evitar o contato com o troco, potencial foco de transmissão do vírus. 

Nesse sentido, tendo em vista a tendência de digitalização, os benefícios para a mobilidade urbana e o contexto de precauções sanitárias para frear a pandemia, os governos têm a oportunidade de avançar com a agenda de fim do uso do dinheiro em espécie para pagamentos nos transportes coletivos. 

Adicionalmente, esse será mais um passo de contribuição rumo ao objetivo do desenvolvimento sustentável 11 da ONU em prol de cidades e comunidades sustentáveis, que estabelece a meta de até 2030, proporcionar acesso a sistemas de transporte seguros, acessíveis, sustentáveis e a preço acessível para todos, melhorando a segurança rodoviária por meio da expansão dos transportes públicos.

João Picanço é mestre em políticas públicas e engenheiro do BNDES*.

*a opinião do autor não reflete necessariamente as opiniões do BNDES.



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