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10/04/2023 00:00

Reforma Tributária pode aumentar os custos do Transporte Público, por Luiz Carlos Néspoli

Desde 2019, tanto no Senado Federal como na Câmara dos Deputados tramitam Propostas de Emenda Constitucional que alteram o sistema tributário nacional, respectivamente, a PEC nº 110/2019 e a PEC nº 45/2019. Em ambas as emendas, propõe-se a criação do Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), que por sua natureza é um imposto sobre valor adicionado (IVA). Na PEC do Senado, o IBS substitui nove impostos (IPI, PIS, Pasep, Cofins, ICMS, ISS, IOF, Salário- -Educação, CIDE sobre combustível), enquanto na PEC da Câmara ele substitui cinco (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS). Havia, ainda, outras diferenças quanto ao tempo de transição e quanto à incidência.

O tema volta à discussão e ganha relevância neste ano de 2023 com o início do novo Governo Federal eleito, cuja pauta da reforma tributária fez parte da campanha, e cuja discussão já é retomada no Congresso Nacional no Grupo de Trabalho Sistema Tributário Nacional (PEC 45/2019) da Câmara dos Deputados, que já contou com a presença da Ministra do Planejamento Simone Tebet na sua reunião do último dia 4 de abril.

Em 2020, a ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos) publicou o Caderno Técnico nº 27 – A Importância Macroeconômica e Socioambiental do Transporte Público por Ônibus no Brasil (*), no qual se encontra um capítulo específico sobre o impacto da reforma tributária proposta pela PEC 45/2019 no transporte público. Tratando-se de um empreendimento tipicamente de prestação de serviço, cuja cadeia de produção está fortemente calcada no uso intensivo de mão de obra e em que o valor agregado é mínimo, o estudo aponta o risco de uma taxa única do IBS com teto máximo aumentar de forma preocupante os custos operacionais do transporte público, que dependendo da política tarifária adotada podem elevar ao mesmo tempo o preço da passagem para os usuários que pagam o serviço, mas também o valor do subsídio nos casos em que orçamentos públicos participem do custeio dos serviços.

O estudo técnico da ANTP foi produzido antes da pandemia COVID-19. Com a pandemia, o transporte público foi fortemente afetado em razão da queda brutal da demanda de passageiros e do seu modelo de financiamento do custeio baseado exclusivamente pela receita advinda do pagamento da tarifa pública, salvo em raras exceções onde é subsidiado por orçamentos públicos.

Durante este período de quase três anos, o custo operacional dos serviços foi impactado pelo aumento do diesel, correções salariais em razão de dissídios coletivos dos operadores e, ainda, pelos fortes aumentos do preço dos ônibus e outros insumos. Se por um lado os custos operacionais aumentaram, por outro os raros reajustes tarifários não foram suficientes para restabelecer o equilíbrio financeiro, causando tensão nos contratos entre concedentes e concessionárias, o que exigiu uma acomodação da oferta de serviços à receita, levando a uma precarização dos serviços quase generalizada, e simultaneamente um aporte de subsídios orçamentários para preservar a existência do transporte público (não a qualidade que de resto ainda está aquém do ideal).

Em meio a esta crise, e para se contorna-la emergencialmente e ao mesmo tempo resolve-la permanentemente, nasceram dois movimentos para os quais convergiram todos os atores envolvidos na produção do transporte público no país. Ao mesmo tempo em que se buscaram recursos emergenciais do Governo Federal para mitigar os déficits provocados pela crise, também se propôs um novo Marco Legal do Transporte Público, cujos princípios, diretrizes e objetivos podem mudar substancialmente para melhor o modelo vigente de contratação, financiamento e governança.

É neste contexto que se deve retornar o olhar de forma mais atenta para a reforma tributária que recomeça a tramitar na Câmara dos Deputados.

Compõe os custos dos serviços de transporte público uma série de insumos, como veículos ou material rodante, combustível, pneus, peças e acessórios, instalações e edificações, dentre inúmeros outros, sobre os quais incidem vários tipos e alíquotas de impostos que, por seu turno, serão alterados pela reforma tributária. Ainda, sobre a prestação dos serviços incidem outros tipos de impostos e alíquotas. Nos últimos anos o setor de transporte público obteve desonerações importantes, como a do INSS, do PIS e do Cofins, de âmbito federal, e do ISS em muitas prefeituras, o que contribuiu para a redução do custo operacional total e, por consequência, o impacto sobre a tarifa pública.

Como a tarifa, na ausência de subsídios, é, em síntese, resultado do rateio dos custos pelos passageiros transportados pagantes, uma eventual elevação nos custos operacionais repercutirá diretamente no custo por passageiro, neste caso, sobre aqueles que pagam de alguma forma a tarifa. Havendo subsídio, o impacto recairá também sobre os orçamentos municipais que destinam recursos ao transporte público.

O estudo da ANTP buscou compreender os possíveis impactos nos custos dos transportes públicos por ônibus, tendo em vista este ser o modo de transporte coletivo predominante no Brasil (representa 86% do transporte público no país). Considerando que o setor de transporte público conseguiu nos últimos anos significativas desonerações em alguns impostos, as quais serão substituídas pelo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), com características de imposto sobre valor agregado, essa avaliação se reveste de preocupação adicional.

O referido estudo usou como base de análise cinco capitais brasileiras — São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba —, pelo tamanho da população, complexidade do sistema de transporte e volumes de frota e demanda, cujos impactos podem refletir bem o que poderá ocorrer com a implantação do IBS.

Como metodologia, adotou-se como objeto de análise a composição de itens de custos expostos nas respectivas planilhas tarifárias dessas cidades, onde se encontram retratadas as incidências sobre o custo total dos serviços de transporte por ônibus de cada componente de custo, a partir de informações normativas, notas fiscais de fornecimento de insumos, por exemplo, pelas quais se obteve os tipos de impostos incidentes em cada item, bem como as alíquotas correspondentes, separando-se os impostos incidentes sobre os itens de custo (fornecedores de insumos) dos impostos relativos à prestação do serviço pelos concessionários.

A apuração dos impostos e respectivas alíquotas mostrou um panorama bastante heterogêneo no setor de transporte público por ônibus, havendo diferenças importantes entre unidades da federação, como também entre municípios. Por fim, o estudo adotou como referência a PEC nº 45, que trata da substituição apenas do PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS, em vez da PEC nº 110, cuja amplitude é mais complexa e sobre a qual não havia na época estimativa de alíquota.

A PEC nº 45 estabelecia, na época, uma taxa única para todos os bens e serviços, sendo composta de uma taxa única federal, uma taxa única estadual e uma taxa única municipal, sendo vedada a isenção ou redução para quaisquer bens e serviços, exceto aqueles que estariam sujeitos a uma alíquota majorada, como de cigarros e bebidas, por exemplo.

A primeira observação é que cada ente estabeleceria a alíquota que neutralizaria seu poder arrecadatório atual, que seria ajustado ano a ano. No nível dos municípios, permaneceria ainda a capacidade de se estabelecer alíquotas diferenciadas de seus vizinhos. A diferença é que isso não poderia ocorrer mais por setor, mas para todas as atividades. A PEC nº 45 não estabelecia, na forma original, o valor da alíquota, mas circulava nos meios de comunicação e em seminários onde o tema era discutido o valor de 25%, valor que o estudo da ANTP adotou para análise.

Do ponto de vista da concepção original, a incidência do IBS proposto seria cheia sobre o custo total e o IBS poderia ser cobrado tanto integralmente na ponta do consumo, quanto em parcelas por diferença agregada ao longo da cadeia. No entanto, as propostas de então direcionavam para a cobrança ao longo da cadeia.

Para efeito de cálculo, o estudo foi dividido em duas partes: o impacto no fornecedor, que terá a substituição dos impostos pagos pelo IBS, e o impacto no concessionário, que inclui o do fornecedor, adicionado ao impacto do serviço de transporte, considerando a compensação do IBS pago pelo fornecedor. É esse valor que, ao final, representaria o custo do serviço prestado e, portanto, que refletiria sobre a tarifa pública ou sobre o subsídio ao transporte proveniente de orçamentos públicos. O estudo considerou, portanto, o IBS como equivalente à alíquota cheia sobre o valor do serviço na ponta da cadeia.

Realizados os cálculos, obteve-se como estimativa de aumento do custo operacional, de 20,52% em São Paulo, 20,05% em Belo Horizonte, 19,94% em Curitiba, 18,44% em Porto Alegre e 18,25% no Rio de Janeiro.

O estudo apresenta, ainda, um panorama internacional dos países em que o IVA é adotado como política tributária, os quais elencam setores e atividades com tratamento especial. Segundo o estudo, na comunidade europeia isso é limitado, mas existe. Na maioria dos países da comunidade, o serviço de transporte coletivo urbano de passageiros está sujeito à alíquota reduzida (entre 5% e 15%), podendo o prestador de serviços aproveitar os créditos acumulados ao longo da cadeia.

Na proposta brasileira, a alíquota aventada de 25% estaria no limite superior do IVA, ao contrário da aplicada na comunidade europeia. Desse modo, sem a possibilidade de se estabelecer alíquotas reduzidas, o serviço de transporte seria fortemente afetado, já que o impacto recairia sobre os itens de custos que não são passíveis de crédito, tais como despesas administrativas, lucro e pessoal. Por isso, o estudo recomenda, ao final, tendo-se o conhecimento oficial do valor ou valores a serem aplicados no IBS, a análise mais detalhada dos impactos sobre os custos operacionais.

Ressalta-se que o transporte público, serviço essencial (CF, art. 30) e um direito social (CF, art. 6º), é de suma importância para o funcionamento das cidades brasileiras e, por consequência, para a sociedade como um todo, sobretudo para a população de menor renda e, dentre essa, a mais vulnerável.

O impacto da reforma tributária ganha mais vulto no momento em que o sistema de transporte público ainda não recuperou a demanda de 2019, as receitas ainda não cobrem totalmente os custos operacionais, a oferta está aquém das necessidades da população e a frota de ônibus em operação está muito envelhecida.

A preocupação aumenta diante de propostas já colocadas abertamente em discussão sobre a tarifa zero, que exigirá aumento de oferta de serviço em face do aumento de demanda (há uma demanda reprimida), ampliando o custo já existente, a serem cobertos por recursos orçamentários ou por contribuições não tarifárias como forma de financiamento do custeio do transporte público.

Luiz Carlos Néspoli é Superintendente da ANTP e foi o coordenador da elaboração do Caderno Técnico n° 27

(*) Fizeram parte da equipe técnica do estudo os economistas: Adauto Farias, Ana Paula Paulino da Costa e Thomaz Aquino.



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